sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Consolidando o preconceito


Comecei a beber hoje por volta das 14h; agora são 2h27 e acabei de chegar em casa... Lembro de um amigo que dizia que "nada de bom acontece depois das duas da madrugada". Bem, isso já é razão suficiente pra você não continuar a leitura. Razão suficiente também pra eu não continuar a escrita, mas hoje eu não consigo, estou de certa forma abalado e preciso colocar pra fora.
   
Eu vi um homem chorar! Sim, eu vi um homem chorar e me pedir um abraço. Situação que considero muito natural, mas que em nossa sociedade é estranha pois há uma máxima quer diz que o homem não chora. Tanto que, nos meus 35 anos, nunca tinha visto. Nem mesmo o meu pai. Afinal, seja com Pablo ou com The Cure, o homem deve ser orgulhoso e não transparecer o afeto, a sensibilidade.
   
O que me tocou não foi a quebra de paradigma ou a emoção alheia em si, mas toda uma empatia que me assusta e que me faz questionar meu convívio social. Me explico...

Saí com um colega de trabalho, de uns cinquenta e poucos anos, divorciado, filhos da minha idade e de ideias muito boas. Lá pelas tantas, depois de muito álcool, ele começou a se abrir e falar de um relacionamento que está vivenciando. Ele está saindo com uma mulher de uma cidade próxima, mesma faixa etária, interesses em comum, parceria e boa química; e mesmo com tanta coisa boa, ainda estão brigando pois descordam em opiniões e um quer se impor sobre o outro. Em outras palavras, ele gosta muito dela, quer levar o relacionamento a diante, mas está desanimado com tanto desentendimento. Visivelmente ele estava bem angustiado.
   
Bom, coloquei pra ele minha opinião bem categórica: ele tem que ponderar o que é mais importante para ele e tomar decisão. Até parece simples quando resumido a uma frase, mas não é. Pelo contrário, é bem complexo. Porque o "importante" implica uma análise emocional do que toca mais, uma mensuração do sentimento, e o "ponderar" implica em uma avaliação fria, imparcial e racional de todo o contexto. A dificuldade é, simultaneamente, pesar emocional e racional.
    
Em um relacionamento o sentimento deve necessariamente estar presente. A ausência de afetos já é um nítido indicador de que não se deve continuar. Esperança na mudança, expectativa em idealidades e afins, isso não funciona, pois a relação acontece no agora e não no depois, no imediato e não na consequência. Toda via, o sentimento, por si só, não é suficiente para sustentar uma relação. Pode-se gostar, amar, idolatrar o que for, que, se outros fatores não corroborarem para a sustentação desse sentimento, ele desmorona. Quero dizer que, mesmo havendo um sentimento intenso, se não houver diálogo, companheirismo, partilha, interesses em comum e coisas afins, o relacionamento não possui bases forte e, na primeira instabilidade, se desfaz.
    
Isso, para mim, é nítido. Mas sei perfeitamente o quão é difícil tomar uma decisão. A questão é que essa decisão, internamente e inconscientemente, já está tomada. A demora entre o perceber e o agir só causa uma perda de tempo para ambos, e implica em maiores sequelas.
   
A decisão deve ser tomada em função dos valores e medidas atribuídos a cada ação, a cada afecção. E a melhor forma de orientar essa decisão é a comparação. Pra isso, basta ir se questionando... O que é menos dolorido, ficar sozinho e sentir uma solidão e uma certa cobrança ou aguentar dadas diferenças? O que é mais importante, ter razão ou ter harmonia? O outro é passível de mudança? Se você não vai conseguir mudá-lo, vale a pena insistir na diferença? O que é preferível, aceitar o outro como é ou insistir nos seus valores e na sua opinião?
   
Eu bato o escanteio e corro pra cabecear... Propus as perguntas e eu mesmo respondi, dando exemplos da vida dele, do que eu conheço dele. Não sei dizer o momento exato que percebi que ele estava chorando. Sei que pouco depois que percebi, ele me pediu um abraço, agradeceu a conversa e logo fomos embora.
    
Fiquei me perguntando o por quê do choro dele... Aditivos de um lado, delírios de outro, pensei, pensei, pensei... Daí voltei a uma questão que estava me incomodando desde quando acordei: até que ponto as pessoas estão dispostas e interessadas a nos escutar?
    
No meu entendimento, a emoção do meu colega foi consequencia da reflexão proporcionada por uma conversa isenta e desinteressada. Senti que ele estava com esse assunto entalado e que ele não compartilhava com ninguém, justamente pelo fato das pessoas não se interessarem. Eu não estava lá para julgar ou para aconselhar. O meu papel foi apenas escutar e tentar ajudá-lo refletir, a elucidar os próprios questionamentos.
   
Estou, cada dia mais, consolidando um preconceito: as pessoas não estão interessadas em escutar os outros desinteressadamente. Isso é duplamente muito pesado pois, de uma lado não me atraio por conversas interessadas, por outro, não tenho vontade de falar para quem não quer escutar. A consequencia disso é óbvia: estou me fechando e evitando o contato social.
    
Essa posição me coloca numa contradição: se eu me fecho e não me compartilho com o outro, por que raios eu me prezo a escutar e acolher esse mesmo outro? Não seria o mais racional agir na mesma moeda?
    
Enfim, sobre isso eu sou socrático: não sei de nada. Mas esse caminho me soa meio tortuoso...

Trilha sonora: Eclipse Oculto - Caetano Veloso

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